26 novembro 2014

Contencioso Administrativo - VPS - 2014/2015: Contra o Acordo

V. IVO MIGUEL BARROSO / FRANCISCO RODRIGUES ROCHA,"Guia jurídico contra o "Acordo Ortográfico" de 1990, disponível para "download" em  http://www.publico.pt/ficheiros/detalhe/requerimento-ao-ministerio-publico-contra-o-acordo-ortografico-20141120-233159.

O que é impugnado no STA é uma Resolução do Conselho de Ministros, n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, que antecipou o final do "prazo de transição" em 5 anos para todo o sistema de ensino (público, particular e cooperativo).

O Parecer principal que sustenta a acção popular foi publicado, numa 1.ª versão, na Revista "O Direito" - v. IVO MIGUEL BARROSO, Inconstitucionalidades orgânica e formal
da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que mandou aplicar o ‘Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa’ à Administração Pública e a todas as
publicações no “Diário da República”, a partir de 1 de Janeiro de 2012, bem
como ao sistema educativo (público, particular e cooperativo), a partir de
Setembro de 2011. Inconstitucionalidades e ilegalidades ‘sui generis’ do
conversor ‘Lince’ e do ‘Vocabulário Ortográfico do Português’
, in O Direito, 2013, I / II, pgs. 93-179.



A segunda
parte tem o mesmo título, com a menção final “[Conclusão]”, in O Direito, 2013, III, pgs. 439-522.
O resumo com as conclusões encontra-se disponível "on line",  em http://www.verbojuridico.com/ficheiros/doutrina/constitucional/ivobarroso_acordoortografico.pdf

21 novembro 2014

Contencioso Administrativo - VPS - 2014/2015: Contra o Acordo

A fundamentação da acção popular e de outras, que possam ser intentadas, encontra disponível (download a partir de http://www.publico.pt/ficheiros/detalhe/requerimento-ao-ministerio-publico-contra-o-acordo-ortografico-20141120-233159).

Não se trata de impugnar actos administrativos, porém, diversamente do que se refere nesta publicação.
b) Discorda-se também do penúltimo parágrafo, relativo à "estabilidade" do sistema de ensino; uma vez que, ao invés, a imposição da (alegada) "aplicação" do AO90 veio trazer a anarquia ao mesmo, designadamente através das facultatividades. 

Remete-se para o documento citado (http://www.publico.pt/ficheiros/detalhe/requerimento-ao-ministerio-publico-contra-o-acordo-ortografico-20141120-233159) - ver páginas 94 a . 98

22 agosto 2012

Inconstitucionalidades das normas do Acordo Ortográfico, bem como das Resoluções da Assembleia da República, do Governo e dos órgãos regionais que o implementam (síntese)


Neste artigo, constam as conclusões do nosso trabalho, Inconstitucionalidade e demérito do Acordo Ortográfico. Porque todos os Portugueses têm o direito e o dever de desobedecer às normas constantes do Acordo Ortográfico; em curso de publicação na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume LII, 2011.

Este artigo de resumo está em curso de publicação na revista "O Direito", 2012, II. 

AO = “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, assinado em 1990, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.

SUMÁRIO
Neste artigo de síntese, expomos as conclusões de um trabalho que versa sobre a detecção dos problemas jurídicos relacionados com o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”: as questões prévias pertinentes, relacionadas sobretudo com Direito Internacional Público; as inconstitucionalidades orgânicas e formais das normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, um regulamento independente emitido “a descoberto”, que não só invade a reserva de competência da Assembleia da República, mas também carece da forma, constitucionalmente exigida, de decreto regulamentar; a violação do património cultural imaterial da língua portuguesa; as várias questões atinentes à ortografia plasmada na versão oficial da Constituição instrumental portuguesa; as restantes inconstitucionalidades materiais das normas consagradas no Acordo Ortográfico, no artigo 2.º, n.º 2, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011; as consequências das inconstitucionalidades mencionadas, designadamente o direito de resistência que os particulares têm, de desobediência às normas do Acordo Ortográfico e dos actos de Direito interno aludidos; o demérito do Acordo Ortográfico.


Questões prévias de Direito Internacional Público

O n.º 1 do 2.º Protocolo modificativo ao Acordo Ortográfico, assinado em 2004, que deu nova redacção ao artigo 3.º do AO, que determinou o modo de entrada em vigor apenas com as ratificações de 3 Estados, substituindo a regra da unanimidade, é ilegítimo no plano do Direito Internacional, por falta de causa.
Com feito, uma contradição teleológica entre o objectivo proposto pelo Acordo Ortográfico – “um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa” (1.º parágrafo do Preâmbulo, reiterado no 4.º parágrafo do 2.º Protocolo Adicional), conforme consta do próprio título (“Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa”) e da exigência de um “vocabulário ortográfico comum” (artigo 2.º do AO) -, não são atingidos, se bastassem as ratificações de 3 Estados de língua oficial portuguesa, no total do universo de 8.
Todavia, esse vício de falta de causa é ininvocável por parte de Portugal, uma vez que ratificou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969 (cfr. artigo 42.º).
Julga-se haver também uma fundamentação incongruente no Preâmbulo do 2.º Protocolo modificativo.
A inexistência de um vocabulário ortográfico comum não preclude a vigência da totalidade das normas do Acordo. Todavia, algumas das disposições do AO não têm precisão suficiente, a ponto de delas não se poder extrair uma norma (por exemplo, alguns casos das “facultatividades”, constantes da Base IV, n.º 1, que remetem para o “critério da pronúncia”).
O “vocabulário ortográfico comum”, nos termos dos Direito dos Tratados, não serve, de todo, para alterar o Acordo Ortográfico, "acomodando" as diversidades linguísticas dos vários países (diversamente da pretensão formulada por alguns Estados e constante do ponto III.5 do “Resolução sobre o Plano de A[c]ção de Brasília”, de 2010).
O prazo de transição de seis anos, previsto no artigo 2.º, n.º 2, da Resolução n.º 35/2008, da Assembleia da República, de 29 de Julho, e Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, da mesma data (que procederam à ratificação do 2.º Protocolo), constitui, materialmente, uma reserva ao Tratado, ultrapassando a qualificação de uma mera “declaração interpretativa”.
O prazo de transição não serve juridicamente para promover alterações ao tratado, “a posteriori”, à margem de um novo acordo solene entre os Estados.
O Governo fez o depósito da ratificação em 13 de Maio de 2009, tendo, todavia, o aviso de tal ratificação sido publicado em 17 de Setembro de 2010 (através do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 255/2010). Deste modo, o início do prazo de transição começou aquando da publicação referida, de 2010.
O prazo de transição terminará somente em 17 de Setembro de 2016, e não no ano de 2015, diversamente do que tem sido veiculado.
O desrespeito pelo AO – ficcionando que seria válido - tem uma dimensão que, em teoria, poderá ser expressa em sanções, designadamente disciplinares.


1. Vícios formais e orgânicos

O n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro (que determinou a antecipação parcial do prazo de transição, mandando aplicar o Acordo Ortográfico à Administração Pública directa, indirecta e autónoma), é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, pois regulamenta, a título principal, direitos, liberdades e garantias.
A invocação da base habilitante do artigo 199.º, alínea g), não procede.
A mesma norma padece de inconstitucionalidade formal a duplo título: por violação da reserva de lei parlamentar (artigo 165.º, n.º 1, alínea b)) e por carência da forma de decreto regulamentar, constitucionalmente exigida para os regulamentos independentes (artigo 112.º, n.º 6).
O âmbito de aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, mesmo que fosse válida, não poderia abranger outros órgãos, como a Assembleia da República, o Presidente da República e os tribunais.
Mesmo se fosse um regulamento válido, a Resolução n.º 8/2011 não poderia ser aplicada a órgãos exercendo outras funções jurídicas do Estado diversas da administrativa; havendo, pois, inconstitucionalidade orgânica e material, por usurpação de poderes, e também formal, da norma do n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros (bem como do n.º 1 da Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 83/2011, de 6 de Junho, na parte em que se refere aos decretos legislativos regionais e demais actos não incluídos na função administrativa, publicados no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores). O desvalor jurídico associado é o da inexistência jurídica.
Salvo em relação ao artigo 119.º, n.º 1, alínea h), 1.ª parte, da Constituição, a antecipação do fim do prazo de transição, nos termos em que foi realizada, por uma Resolução do Governo, aprovada em Conselho de Ministros, é inconstitucional a título orgânico, formal (devido ao acto não assumir a forma devida) e material (por violar o princípio da separação de poderes).
Regista-se inconstitucionalidade orgânica e formal dos números 3 e 4 da Resolução do Conselho de Ministros, pois regulamentam aspectos principais que são objecto da reserva de competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b)): os manuais escolares, que cabem na liberdade de divulgação de obra científica, artística ou literária (artigo 42.º, n.º 2), bem como na liberdade académica (artigo 43.º, n.º 1).
O número 7 é organicamente inconstitucional, por regulamentar o direito à língua, a liberdade de expressão, em particular, a liberdade de divulgação de obra científica, artística ou literária (artigo 42.º, n.º 2).
Todos os diplomas, que se basearem na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, padecem de inconstitucionalidade consequente; designadamente os seguintes:

i) Actos da função legislativa, emitidos pela Assembleia da República, decretos-leis, emitidos pelo Governo, ou decretos legislativos regionais, emitidos pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;
ii) Actos da função política, emitidos pelo Presidente da República; Resoluções emitidas pela Assembleia da República ou pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas; restantes actos de outros órgãos;
iii) Actos da função jurisdicional, emitidos pelos tribunais.


2. A violação do património cultural imaterial que é a língua portuguesa

O AO viola aspectos nevrálgicos da língua portuguesa, enquanto pertença ao património cultural.
O Acordo oblitera as raízes greco-latinas da língua portuguesa.
As “facultatividades” representam a destruição do conceito de ortografia.
Existe a violação do dever estatal de defesa do património cultural (artigo 78.º, n.º 2, alínea c)) e do direito ao património cultural.
Há uma tentativa de usurpação do papel da lei positiva em relação ao costume e à tradição linguística existente do português europeu.
O valor da estabilidade ortográfica é violado.
Detecta-se também inconstitucionalidade material, devido à violação da garantia institucional da neutralidade ideológica e consequente proibição do dirigismo estatal da cultura (artigo 43.º, n.º 2), uma vez que o Acordo Ortográfico é puramente político, não sendo baseado na ciência linguística nem em pareceres técnicos.
O Acordo Ortográfico consiste num autêntico plano totalitário de unificação aparente, expressando um fenómeno de “democracia totalitária” por parte do Estado “abafante” relativamente à sociedade civil.


3. A ortografia na Constituição
3.1. A ortografia da Constituição instrumental não pode ser alterada através de actos infraconstitucionais

Uma das consequências de a Constituição instrumental ser rígida é a impossibilidade de proceder a alterações através de textos com valor infraconstitucional (legislativos ou outros).
Uma correcção ortográfica da Constituição, segundo o Acordo Ortográfico de 1990, é inadmissível sob o ponto de vista da hierarquia de fontes.

Quanto a precedentes históricos, entre 1911 e 1912, não houve uma única edição que revisse tacitamente a Constituição instrumental.
A partir de 1913 até à Revolução de Dezembro de 1917 e na segunda vigência da Constituição, de forma ininterrupta, ocorreu a revisão tácita da Constituição instrumental de 1911, tendo sido cimentada através da utilização da nova ortografia nas leis de revisão constitucional.
No caso da revisão de 1945, a revisão tácita da Constituição só aconteceu, de forma consistente e ininterrupta, a partir de 1952, cerca de quase 7 anos após a publicação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945.
Quanto à mini-reforma ortográfica de 1973, oficialmente, não houve revisão tácita da Constituição.
Os precedentes históricos não são totalmente significativos e, por conseguinte, decisivos para a actual conformação dogmática da ortografia na Constituição de 1976.

A linguagem escrita e a ortografia nela contida devem ser objecto de valorização. A língua escrita não é apenas um sistema simbólico de segunda ordem: a literacia acarreta uma mudança radical na estrutura das comunidades. Sem literacia, não há Estado, não há civilização, não há nação, não há filosofia, não há ciência e não há memória social e cultural de longo prazo: sem escrita, não haveria religiões do Livro, nem haveria discurso científico e filosófico.
A ortografia permite codificar, sistematizar e estabilizar a língua escrita padrão de uma sociedade complexa; a ortografia é parte integrante da língua.
Sem ortografia, não há continuidade cultural intergeracional estável.

As disposições da Constituição instrumental são intocáveis; só podendo ser alteradas licitamente mediante o exercício do poder de revisão constitucional.
Não são apenas as “normas”, no sentido tradicionalmente entendido, que vinculam também os preceitos constitucionais devem ser tidos como intangíveis.
O artigo 2.º, n.º 2, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, que determina que quaisquer reedições terão de ser feitas segundo o Acordo Ortográfico, é orgânica e materialmente inconstitucional, pois se refere, também, à Constituição instrumental.
O texto oficial que faz fé é o aprovado em 2 de Abril de 1976, com alterações posteriores.
Deve distinguir-se entre “força da Constituição” e “força normativa da Constituição”.
As teorias múltiplas e díspares sobre o que seja a “Constituição material” devem ser rejeitadas. Não existe um critério “ratione materiae” para determinar os conteúdos de uma Constituição, mas apenas critérios tendenciais (e, por conseguinte, desprovidos de universalidade).
A Constituição moderna é definida, sobretudo, através da forma e, apenas tendencialmente, pelo conteúdo, de regular o Estado-poder.


3.2. A inconstitucionalidade resultante de desconformidades ortográficas com a Constituição instrumental

No pressuposto do princípio jurídico de a variante consagrada pela Constituição Portuguesa ser a do português de Portugal, temos mais inconstitucionalidades de carácter formal e material.
No caso de a Constituição grafar uma expressão com certa ortografia, existe inconstitucionalidade formal a duplo título.


3.3. As posições jusfundamentais dos particulares face à ortografia: entre o princípio da liberdade e dever fundamental de não atentar contra o núcleo identitário da língua portuguesa

Há que ter em conta a previsão do dever fundamental de preservar, defender e valorizar o património cultural (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte), de que a língua portuguesa faz parte.
A “aplicabilidade directa” dos deveres fundamentais – autónomos ou não autónomos – depende da densidade da norma.
Os deveres fundamentais, sobretudo os que têm uma componente negativa – v. g., o dever de não atentar contra o património cultural – devem ser considerados directamente aplicáveis.
Existe um dever fundamental com uma dupla vertente: i) em sentido negativo, um dever de abstenção da prática de actos lesivos do núcleo identitário da língua portuguesa; ii) um dever positivo de impedir a destruição da mesma.
Várias normas do Acordo Ortográfico desfiguram a língua portuguesa. O expediente das “facultatividades” figura nesse âmbito.
Existe um dever de todos os particulares desobedecerem às normas mais aberrantes do AO, desfiguradoras do núcleo identitário das normas ortográficas costumeiras de língua portuguesa.


3.4. Ortografia e revisão constitucional

A Constituição instrumental não pode ser alterada, através de uma lei de revisão constitucional, segundo o Acordo Ortográfico, por atentar contra limites materiais de revisão: o princípio da identidade nacional e cultural; o “direito à língua portuguesa” e o direito à identidade cultural, bem como o princípio da independência nacional (devido às remissões para usos e costumes de outros países, para se apurar quais as normas resultantes de algumas disposições do AO, que remetem para o critério da pronúncia).
Mesmo que esta tese não fosse seguida, uma revisão constitucional que modificasse os preceitos da Constituição, em conformidade com o Acordo Ortográfico, não poderia ter efeito convalidatório das normas inconstitucionais anteriores.


4. Restantes inconstitucionalidades materiais


4.1. Inconstitucionalidades materiais das normas constantes do Acordo Ortográfico e das Resoluções da Assembleia da República, do Conselho de Ministros (bem como do n.º 1 da Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 83/2011, de 6 de Junho; do n.º 1 da Resolução da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 7/2012/A, de 24 de Janeiro)

Quanto a outras inconstitucionalidades materiais, temos:
- a violação da “autorização constitucional expressa”;
- restrições, não credenciadas pela Constituição, ao direito à língua e à liberdade de expressão;
- violação do princípio da identidade nacional;
- violação do princípio da igualdade;
- violação do direito ao desenvolvimento da personalidade;
- violação do dever de o Estado informar os cidadãos sobre os assuntos públicos (artigo 48.º, n.º 2);
- violação da regra da proibição de censura (artigo 37.º, n.º 2);
- violação da liberdade de criação artística e cultural (artigo 42.º, n.º 1); os Autores têm o direito de preservar a sua própria opção ortográfica;
- violação da proibição de dirigismo político na educação (artigo 43.º, n.º 2);
- a liberdade de aprender e de ensinar (artigo 43.º, n.º 1);
- violação das vertentes científica, pedagógica e administrativa da autonomia universitária (cfr. artigo 76.º, n.º 2 da CRP);
- violação o direito ao ensino e à cultura (artigos 73.º e 74.º, n.º 1);
- violação da liberdade de imprensa;
- violação do direito à informação do consumidor.


4.2. Cumulação dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade

O “Vocabulário de Língua Portuguesa” e o conversor “Lince”, previstos pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, padecem de inconstitucionalidades várias:

i) Inconstitucionalidade material, por violação do artigo 112.º, n.º 5, 2.ª parte;
ii) Inconstitucionalidade orgânica, por regulamentar direitos liberdades e garantias (cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea b));
iii) Inconstitucionalidade formal, decorrente de o diploma ser uma resolução, não assumindo a forma de lei em sentido formal (lei da AR ou decreto-lei autorizado).

Concomitantemente, registam-se várias ilegalidades “sui generis” do “Lince” e dos correctores ortográficos, por violação das próprias normas constantes do Acordo Ortográfico.


5. Consequências das inconstitucionalidades mencionadas

A Assembleia da República deve repor a normatividade violada, operando um autocontrolo da validade, fazendo aprovar um acto que, reconhecendo a inconstitucionalidade das normas contidas no AO e, também, na Resolução parlamentar n.º 35/2008, retire eficácia a essa, autodesvinculando o Estado português.
Devido às inconstitucionalidades mencionadas e ao consequente desvalor da nulidade, existe o poder-dever de desaplicar as normas constantes do Acordo Ortográfico e da Resolução n.º 8/2011 do Conselho de Ministros, por parte de todas as entidades públicas: Legislador, tribunais, bem como órgãos e agentes da Administração Pública.
Não existe dever de obediência por parte dos funcionários públicos, pois a ordem de respeitar o AO (ou, por maioria de razão, o “Lince” e os correctores ortográficos) padece de inconstitucionalidade, por violação de direitos, liberdades e garantias, o que origina o desvalor da nulidade daquele acto. No caso do AO, por todas as razões referidas, a ilegalidade é manifesta. Deste modo, o não acatamento da ordem, nos “casos em que não fosse devida obediência”, é insusceptível de acarretar responsabilidade disciplinar.
Os particulares gozam do direito de resistência (artigo 21.º), do direito de objecção de consciência e do direito genérico de desobediência a normas inconstitucionais.
Mais do que isso, existe um dever de desobediência, por parte dos particulares, em relação às normas mais aberrantes do Acordo Ortográfico, que desfiguram a língua portuguesa.
Até à remoção do AO na ordem jurídica, existem meios de tutela graciosa e contenciosa.


6. Demérito do Acordo Ortográfico: a violação de regras extra-jurídicas da variante do português de Portugal

O AO não assenta em nenhum consenso alargado.
O AO não serve o fim a que se destina – a unificação ortográfica da língua portuguesa.
Há múltiplos reparos que podem ser feitos, sob o ponto de vista das formulações.
O AO é um texto cheio de vulnerabilidades no domínio ortográfico.
A aplicação do AO cria palavras homógrafas, fazendo com que palavras distintas sejam confundidas.
  
IVO MIGUEL BARROSO, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa



Natura arsque


O ser, caligrafia incerta.
O poema é um acto novo, inicialmente indefinido,
mergulhado nos violinos de água, nos augúrios da descoberta,
precipitando o nada, o desconhecido;
a trípode, o bálsamo, o desconcerto, a anémona;
a noite da noite; um som terrível;
o cânone abrindo a luz secreta da solidão,
o murmúrio indivisível imortalizando o nome.

Um sabor que começa a nascer.
Vejo o ser, caligrafia incerta, torres de alabastro.
Um poema  — a única forma de conhecer o tempo,
a ordem criadora, a latitude boreal, os cometas da metamorfose,
lunações no céu nocturno; um único ponto de luz.
Uma razão, um fundamento.
O fulgor imediato para descobrir a escuridão,
o lado-morte por vezes, um barco para o Hades
 — uma vela de mim.

Procuro, entre a palavra e o metal, a pedra e o silêncio,
o gérmen da claridade,
nessas águas iniciáticas, lugares onde as árvores amadurecem,
onde as folhas se propagam,
onde as cigarras gemem, exuberantes, fascinadas pela forma da substância.
A noite  — vivo fragmento na dança das casas, borboletas voltejando;
os tempos, os lugares.
“Natura arsque”.
Nesses momentos, invoco Atena, a fonte de Hipocrene, leitos de água.

Novelos de prata, vida infinita;
formei a minha alma de intérprete dos pássaros e dos sonhos
(folhas orvalhadas, mistério oculto).
Canto essas paredes incólumes à destruição
e canto a teoria das coisas, a mobilidade apoteótica das raízes.

Canto a pureza, esse canto azul,
sob o sol dinâmico de um grito originário,

num poema que é um verso de água,

                            múltipla
                                          e
                                              criadora.


Ivo Miguel Barroso 


Publicado na revista “Inventio”, n.º 10, 
da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999.

Universo azul (flores da simbiose)




Ivo Miguel Barroso




I



Cantá-la-ei na lua undécima, nocturna, suprema,
evaporando ininterruptamente os seixos nocturnos.

Pela sua boca, canto iluminuras, pérolas, guitarras solares.
No odor a cedros, anuncio os seus dedos frágeis,
a sua infinitude;
— cabelos flutuando, boca dançarina,
os botões da Primavera lembrando a “Kreutzer
(Sonata n.º 9 de Beethoven), “staccato”, violino e piano, limite puro
— a beleza eclodindo em seus gestos,
discursiva, épica, derramando flores.

Proclamá-la-ei em seu domínio leve,
numa paleta de cores, entre violino e donzela:
um tempo para cantar a sua brancura, ecos da sua harmonia
— odes de água e silêncio.

Amo-a fundamentalmente,
reproduzindo o seu toque, a sua música,
as palavras e o amor (prelúdio de uma fuga).

Amo-a nas tempestades de areia, numa dança de fogo.
Ela, violinista, princesa das águas, alumia a plenitude indecifrada;
eu, poeta que canta o cobalto e as marés,
transcrevo a madrugada
para ela, cisne branco, Nereide do silêncio.

Na sua boca converge o sândalo,
como se fosse o espelho do mar e a flor eterna do instante.

Relógios amolecidos ditarão o absoluto,
desvendando a lua incompleta, novíssima, a noite dual.
Beijá-la-ei na ondulação do trigo (a água e os frutos resplandecendo).

Escreverei o tempo novo,
desenharei, nos seus cabelos, pássaros negros.
Dir-lhe-ei os corais, o universo azul, todas as distâncias abolidas,
estrelas marinhas e líquenes.
Segredar-lhe-ei toda a alquimia, perfumes voláteis;
o lume do olhar iluminando o seu rosto velado.

Amo essa mulher, os seus olhos opulentos, elegíacos;
nas suas mãos, perfumes de água,
numa janela veneziana, ela ¾ a própria noite.

Amanhece a sua carne e o seu silêncio.
Adivinho-a em cada pétala,
como se encontrasse o seu nome em cada aroma,
(permanece intacto o seu enigma, a sua boca).

Amo a sua delicadeza, a púrpura que incendeia as coisas.
Beijo o seu olhar;
escrevo-a na penumbra das aves, celebrando a sua música secreta
¾ o idílio de Siegfried e Brünnhilde ¾,
violetas submarinas.

Inumeráveis os cantos, os dedos, fragilmente.
O seu nome é tâmara, um nome que não se conhece;
um nome imperecível, coroado de diademas azuis.
Contemplo-a, no seu idioma secreto, na estrutura do amanhecer
(sei que o amor é primordial e antigo).


Cada tempo tem a sua coloração,
numa aprendizagem, nestas cidades,
irrompendo as fronteiras.

Falo a linguagem do mundo, densa e alquímica.
Nesses universos cósmicos, sou múltiplo e diverso.

Não espalho o meu amor cantante.

— Amo-a secretamente.





II

  
Abrem-se sobre ela janelas,
cabelos negros, macios de escuridão.

Procuro as suas faces opulentas, as suas pálpebras vivas
que derramam poesia.

Amo-a, arcaica, branca,
entre granitos, lírios silvestres, catedrais de luminosidade.
Amo-a primordialmente,
temperada, morena.

Como desejaria a sua doçura, o seu rosto, completamente;
beijá-la, ainda que efemeramente, num minuto da sua luz.


Procuro o seu rosto na multidão;
a tudo ela se assemelha.
Quero vê-la, protuberante, nítida, perfumada,
intacta, sublime, móvel.

Algures, fito o seu ágil andar, suaves acentos e aprumos;
ela, escultura da manhã; o seu centro suave de silhueta leve.
Desvairado, inebriado me arrebato, “amens amensque”.
Um pedaço de mim mesmo desfalece,
decreta o estado de sítio (o coração em desordem).

Finalmente vejo a sua estrela na bruma,
— cabelos negros,
junto à boca.






III



Never seek to tell thy love,
Love that never told can be

William Blake


 Não posso inebriar-me por tanta beleza.

Se os meus olhos não tivessem vislumbrado o teu esplendor,
teria amado a solidão, esse destino inerte.
Não mo permitiram os deuses.

Nenhum oásis olvida a tua presença;
a incandescência dos olhos
impede-me de extinguir a fonte originária da minha inquietude.
Mulher de água, de plenitude inesperada,
como desejaria beijar,
longa, perene e delicadamente,
teus cabelos singularíssimos, compactos, homogéneos.
(Há tanta coisa que não conheço).
Beijar teus cabelos seria morrer na harmonia da tua luz.

Meus olhos amam-te inexoravelmente,
nas tuas ancas azuis dos teus jardins vedados.

Ao longe, morrem de amor os ramos[2],
pelo caminho transtornado da tua delicadeza.
Debalde peço a esses ramos:
— Ide dizer-lhe quanto a amo.

Quão longe poderia eu assim amar-te.

Diria a razão, o número das tuas pétalas.
Escrevo os caminhos eternos. Sou o silêncio e a voz.
Oculto-me   — sou secreto.

Via-te, aprumada e glamorosa,
no pólo oposto, junto aos apanhadores de borboletas
(Concerto para violino de Brahms, Opus 77).
As margens do caminho eram invadidas por palmeiras interiores.
E em pleno nada o tempo não se expandia
— a essência sempre parca de neve e rosa.
De vez em quando, comia rebuçados de papel
(a sua prata era viva).
Os violinos fragmentados eram as sombras dissolvidas,
cimitarras bárbaras, num êxtase asfixiante.

Queria revolucionar a estática imagem, a perenidade dos lábios.
Só me coube a estrutura espelhada do verso

¾ o nó que constrói silêncios.





IV


 roubaste-me o coração
com um só dos teus olhares

Cântico dos Cânticos, 4: 9



Tu vieste com beleza e harpas, nocturna e soberana
(a lua era a tua voz).
Procurara por todo o lado, mas não vira nada tão doce como tu.
As tuas pálpebras eram a música por que ansiava; fruía a tua génese.
Em ti amava a brancura, nua e desfeita,        os olhos secretos e luminosos.
Eras nascente viva em que mergulhava as minhas mãos;
via, sem te ver, a tua imagem e transparência;
— a delicadeza eras tu, noiva da beleza.

Música e essência, tu surges sempre com vinho e harpas;
— para ti ardem casas, nuvens, flores.

Devo assinalar-te nesses cálices de doçura:

Como és bela e pura, serena como a brisa,
volátil e translúcida.

Ouves a canção das borboletas? É a tua face.
És graciosa como a palmeira delicada, saborosa e una
(para ti me ergo em pedaços de jade).
És um cisne, uma ânfora esguia de mel;
pronuncias cada sílaba docemente.

Contigo trazes a flor e o trigo, no esplendor da tua voz. 
Não há carne ou luz onde não esteja sorrindo o teu instante.

O mundo acorda a um beijo teu,
pelo caminho transfigurado da tua leveza.

Vejo-te em todos os vislumbres da perfeição.
Estás em mim, no meu corpo.
Cada dia reinvento os teus olhos intermináveis;
elejo-te continuamente,
soletro o teu nome, rememoro a brancura repartida.

És omnipresente;
estás em tudo o que sinto ou toco;
alumias a interpretação das coisas.

Celebro-te, inaugural, nas flores da simbiose.
Amanhecente da tua suavidade, do teu encantamento,
transformado pela tua leveza,
bebo-te baga a baga, no perfume das giestas.
— A tua carne é a carne do poema.

Que a tua flor seja a minha flor,
que os teus lábios sejam os meus lábios;
que o meu cálice seja o teu e que a tua noite seja a minha noite.

O tempo abre-se para nós, nas nossas mãos.
Eu amo-te nesse cântico sagrado de espuma,
nas metáforas exuberantes do silêncio.

A tua voz é o oásis de mim, a luz e o fruto
onde as magnólias se desprendem.
O teu corpo, feito de alegria e veludo,
é um poder leve, de estrelas e iodo;
teus cabelos, macios como seda marinha.
Pérolas são teus olhos, monólogos de alegria.

Renasces em mim perenemente.
És sempre tão nova e pura...
O ouro incendeia-se na tua face amendoada
(a minha amada é preciosa).

Feita da matéria nocturna e da matéria delicada,
das pétalas alegres de veludo,
és manufacturada e triste.

Adquires o corpo, as suas núpcias,
esse êxtase inefável e suave,
de que as palavras e cada gesto do viver se alimentam.

Beijo-te imaginariamente, apartas-me subitamente da melancolia.

Cativados pelos cabelos que anoitecem,
deveras os meus olhos te amam.

Tal como o éter é rasgado pela tempestade
— assim eu te amo.

A felicidade és tu;
a felicidade é ver o teu sorriso aberto e manuscrito
(como ecoasse o Concerto para piano e orquestra de Schumann,
terceiro andamento, e o grande amor por Clara Wieck).
Contigo, todos os céus e todas as estrelas brilham como outrora;
o dia torna-se mais claro e translúcido.
A teu lado, todas as coisas, deste e de todos os mundos,
são ditosas e diferentes.
As horas, contigo, são nenúfares mágicos e absolutos.

E os teus olhos são pétalas que se abrem, como borboletas azuis.

Oh, amada pérola, quão estimada és para mim!


Devo consagrar-te nesse poema aquático,
devo segredar-te a inalienável doçura.
E invoco para ti os pássaros, a flor do livro;
descerras para mim as pálpebras e tocas um interlúdio.
Resplandecem os frutos na tua boca
e é neles que pousa o meu coração.

Em ti, a chama.
  
         Em mim, a morte e a alegria.



Ivo Miguel Barroso


[1] Publicado na colectânea “Afectos – amor”, Labirinto, Fafe, 2008 (1.º parte); “100 poemas para Albano Martins”, coordenação de MARIA DO SAMEIRO BARROSO, Labirinto, Fafe, 2012, pg. 70 (segunda parte);Antologia de Poesia Contemporânea. Entre o sono e o sonho”, volume III, selecção e organização de Gonçalo Nuno Martins, Chiado Editora, Lisboa, 2012, pgs. 222-225 (4.ª parte). Em curso de publicação completa, in Revista “Foro das Letras”, da Associação Portuguesa de Escritores Juristas, Lisboa, 2012.
[2] Cfr. verso de Federico García Lorca:“se mueren de amor los ramos”.

21 agosto 2012

"O Acordo Ortográfico é inconstitucional", Entrevista de Ivo Miguel Barroso ao semanário "O Diabo", 14 de Agosto de 2012, p. 7


Entrevista feita pelo Director, Dr. DUARTE BRANQUINHO

http://issuu.com/roquedias/docs/imb_o_diabo_14ago2012?mode=window&pageNumber=1
(contém ligeiras alterações em relação à versão impressa)


1. Porque é que o AO é inconstitucional?
Sucintamente: 1. Registam-se inconstitucionalidades orgânicas e formais das normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros (CM) n.º 8/2011, um regulamento independente emitido “a descoberto”, que viola a reserva de competência da AR, e que não cumpre a forma, exigida pela Constituição, de decreto regulamentar. 2. A ortografia da Constituição, grafada na variante do português europeu, não pode ser alterada através de um acto hierarquicamente inferior, como o AO. 3. Inconstitucionalidades materiais: a violação do património cultural imaterial da língua portuguesa; da proibição do dirigismo estatal da cultura (art. 43.º, n.º 2); as restrições impostas, não autorizadas pela Constituição e não cumprindo os demais requisitos materiais das leis restritivas; a violação da identidade nacional e de direitos, liberdades e garantias, como as liberdades de expressão, de aprender e de ensinar, de criação artística e cultural, de imprensa, etc.
O AO e os actos que o implementam debilitam a força normativa da Constituição.

2. É essa a base da queixa que apresentou na Provedoria de Justiça?

Sim. Há também problemas de ilegalidade “sui generis”, devido ao facto de o tratado solene AO ser violado pelo “Lince” e pelos correctores ortográficos (não deixando que as palavras, enumeradas a título exemplificativo, na Base IV, n.1, c), sejam grafadas com consoante “c” ou “p”, diversamente do que essa norma do AO prevê). Qualquer tribunal dará razão em relação a este ponto. Invocar isto é suficiente para que qualquer pessoa desobedeça ao AO.
Quanto à legitimidade, existe uma usurpação, por parte do Direito positivo, da regulação, predominantemente costumeira, da língua portuguesa.

3. Acha que vai surtir efeito?

O objectivo é que o Senhor Provedor de Justiça requeira a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas do AO, da Resolução do CM 8/2011, de uma da Resolução da AR que ratificou o 2.º Protocolo do AO (e de duas Resoluções dos órgãos da Região Autónoma dos Açores).
Tenho confiança em que os mecanismos do Estado de Direito funcionem.
A Provedoria de Justiça tem juristas muito qualificados e competentes.
O Tribunal Constitucional, apesar de muito qualificado, começou a aplicar o AO; a meu ver, com o devido respeito, incorrectamente. É certo que o n.º 2 da Resolução do Governo prevê a aplicação do AO a actos publicados no Diário da República. Todavia, essa norma do regulamento administrativo é organicamente inconstitucional, pois nunca poderia regular outras funções do Estado (a jurisdicional, a legislativa ou a política), padecendo do vício de usurpação de poderes.
Os tribunais, em geral, não são abrangidos pelo n.º 1 daquele regulamento do Governo, que antecipou o fim do prazo de transição (apenas para a Administração Pública), pelo que não deveriam aplicar o AO (o exposto vale também para a AR e para o PR).


4. Mas o que o move contra o AO não é apenas uma questão jurídica...
Como jurista, as questões de inconstitucionalidade estão sempre primeiro do que os problemas de demérito do AO (aqui, os problemas, tratados pelos linguistas, são muito graves).

5. O AO é prejudicial para Portugal e para a Língua portuguesa?

O AO corrompe aspectos nevrálgicos da língua portuguesa no seu todo (e não apenas da variante do português europeu). Fá-lo, designadamente, através das “facultatividades”, que destroem o conceito normativo de ortografia e que, na verdade, acabam por ser o reconhecimento de que o AO não atinge o objectivo da propalada unificação.

6. Como professor, como comenta as diferentes recepções do AO nas Universidades?

As Universidades fazem parte da Administração do Estado, estando, por isso, abrangidas pelo n.º 1 da Resolução do CM. Ainda não houve uma rejeição “oficial” generalizada, pois ainda não houve consciência das inconstitucionalidades mencionadas.

7. As Universidades podem desempenhar um papel importante na recusa do AO?

Sim, pois o AO viola a autonomia universitária, designadamente nas vertentes científica, pedagógica e administrativa (art. 76.º, n. 2); bem como a proibição de dirigismo estadual na educação (art. 43.º, n. 2).
A iniciativa "Desacordo Técnico", dos estudantes do IST, que conseguiram recusar a adopção do AO na respectiva Associação dos Estudantes, é excelente. Espero que tenha o efeito contagiante de as restantes AE’s, incluindo as liceais, repudiarem o AO, de preferência, na abertura das aulas, no início de Setembro.

8. Acha que a luta contra o AO é um combate perdido, como alguns afirmam?

Não, de todo. Penso exactamente o contrário.
Desde logo, esclareça-se que o prazo de transição termina somente em 17 de Setembro de 2016, e não em 2015.
O AO é um monumento de incompetência e ignorância (A. Emiliano); é desprovido de bases científicas minimamente credíveis, como todos os linguistas têm frisado e está à vista na aplicação prática. Ora, algo tão “torto” e nefasto não pode ser irreversível!
Todavia, não vai ser fácil. Terá de haver desaplicações constantes do AO, uma grande mobilização e empenhamento dos portugueses (v.g., assinando a ILC-AO).
Os órgãos e agentes da Administração têm o poder-dever de desaplicar as normas constantes do AO e da Resolução do CM.
Não existe dever de obediência por parte dos funcionários públicos (designadamente os professores das escolas), pois a violação de direitos, liberdades e garantias origina o desvalor da nulidade, que é manifesto. Deste modo, o não acatamento da Resolução do CM ou de ordens concretas não pode acarretar responsabilidade disciplinar.
A Administração sob vestes de Direito privado (RTP, etc.) nem sequer é abrangida pelo n.º 1 a Resolução do CM. Logo, essas entidades estão a aplicar o AO, desde logo, ilegalmente (com honrosa excepção do CCB).
Sugiro que as pessoas se informem sobre o AO e sobre os seus direitos (nos Grupos Anti-AO do Facebook; na imprensa, sobretudo na não acordizada, como este Jornal; nos pareceres técnicos, etc.), para não serem ludibriadas.
Sublinho este aspecto: os particulares gozam do direito de resistência (artigo 21.º da Constituição), do direito de objecção de consciência e do direito genérico de desobediência face a normas inconstitucionais.
Quanto às normas mais aberrantes do Acordo Ortográfico, como as “facultatividades”, em minha opinião, todos têm o dever fundamental de defesa do património cultural que é a língua portuguesa (art. 78.º, n. 1); pelo que têm de as rejeitar.
Não cumprir o AO é um acto de patriotismo.