O ser, caligrafia incerta.
O poema é um acto novo,
inicialmente indefinido,
mergulhado nos violinos de
água, nos augúrios da descoberta,
precipitando o nada, o
desconhecido;
a trípode, o bálsamo, o
desconcerto, a anémona;
a noite da noite; um som
terrível;
o cânone abrindo a luz
secreta da solidão,
o murmúrio indivisível
imortalizando o nome.
Um sabor que começa a nascer.
Vejo o ser, caligrafia
incerta, torres de alabastro.
Um poema — a única
forma de conhecer o tempo,
a ordem criadora, a latitude
boreal, os cometas da metamorfose,
lunações no céu nocturno; um
único ponto de luz.
Uma razão, um fundamento.
O fulgor imediato para
descobrir a escuridão,
o lado-morte por vezes, um
barco para o Hades
— uma vela de mim.
Procuro, entre a palavra e o
metal, a pedra e o silêncio,
o gérmen da claridade,
nessas águas iniciáticas,
lugares onde as árvores amadurecem,
onde as folhas se propagam,
onde as cigarras gemem,
exuberantes, fascinadas pela forma da substância.
A noite — vivo
fragmento na dança das casas, borboletas voltejando;
os tempos, os lugares.
“Natura arsque”.
Nesses momentos, invoco
Atena, a fonte de Hipocrene, leitos de água.
Novelos de prata, vida
infinita;
formei a minha alma de
intérprete dos pássaros e dos sonhos
(folhas orvalhadas, mistério
oculto).
Canto essas paredes incólumes
à destruição
e canto a teoria das coisas,
a mobilidade apoteótica das raízes.
Canto a pureza, esse canto
azul,
sob o sol dinâmico de um
grito originário,
num poema que é um verso de
água,
múltipla
e
criadora.
Ivo Miguel Barroso
Publicado na revista “Inventio”, n.º 10,
da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999.
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